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Fundamentação

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No contexto de uma sociedade profundamente mediatizada (Couldry & Hepp, 2017), o agir docente deve centrar a observação e a reflexão no processo de aprendizagem, quer «na» e «para» ação, quer no desenvolvimento da capacidade crítica (Martins et al, 2019) dos alunos. Isto porque, a reflexão sobre a prática é, segundo Schon (1983, 1987, 1991), uma componente básica da profissionalidade docente, pois é a reflexão-ação que possibilita ao professor o desenvolvimento de competências e capacidades necessárias ao knowledge-in-action (Argyris & Schon, 1979, 1996).

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Esta reflexão-ação pode ser entendida enquanto agência, do inglês agency, conceito comumente utilizado para explicar a ação social daqueles que, por uma razão específica, decidem agir sobre algo com a intenção de provocar mudança. Apesar de usada em diferentes contextos científicos, em contexto educativo está relacionada com a ação dos professores, enquanto agentes de mudança, que contribuem ativamente para as reformas educativas. É um processo em que o indivíduo se envolve no domínio social, numa situação específica, e na qual utiliza vivências pessoais, competências adquiridas no passado, conhecimento especializado para imaginar futuros possíveis e para com isso agir sobre o presente. Agency é igualmente um fenómeno contínuo que muda consoante os contextos e o tempo (cronológico) – é algo único, que acontece numa situação específica (Emirbayer & Mische, 1998; Priestley et al., 2015).

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É neste enquadramento que parece pertinente investigar sobre os processos de autonomia curricular desenvolvidos em Portugal a partir de 2016, com os Projetos Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP), que antecederam uma modificação do currículo presente no Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho. Entendemos a gestão do currículo como um processo complexo e dinâmico que se desenvolve a vários níveis, como enunciado por Roldão e Almeida (2018), desde o central (decisões tomadas pela tutela quanto às aprendizagens comuns a nível nacional), passando pelo institucional (ao nível da escola e dos seus projetos educativo e curricular) e pelo grupal (através dos projetos que cada equipa educativa elabora para uma turma) até ao nível individual de cada professor, no dia-a-dia em sala de aula.

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Este trabalho situa-se quer ao nível meso, quer ao nível micro da “autonomia de gestão curricular” (Lima, 2020, p. 187) pelos professores que, de acordo com Morgado e Silva (2019), é “a capacidade de os professores tomarem decisões tanto na adaptação do currículo proposto a nível nacional às características e necessidades dos estudantes e às especificidades do meio em que a escola se insere, como no que se refere à definição de linhas de ação e à introdução de temáticas que se julguem imprescindíveis para a sua plena formação” (p. 46). Lagarto e Alaíz (2019) acrescentam a autonomia das decisões tomadas relativamente à avaliação das aprendizagens dos alunos, num processo dinâmico entre ambas, em que já não se aprende para as avaliações, também se avalia para as aprendizagens.

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Por outro lado, e no período em que decorre este estudo, o mundo deparou-se, também, com uma mudança dos tempos: os tempos do digital, do a distância, da pandemia. Nestes novos tempos, foram também a escola e os professores que imprimiram à sua profissionalidade novos termos, conceitos, tempos e espaços de trabalho, considerando a prioridade do combate às desigualdades crescentes entre os alunos. A complexificação do trabalho dos professores é um desafio ao bem-estar docente e o burnout dos professores tem sido reconhecido como um problema na esfera mundial (Salmela-Aro, Hietajärvi, & Lonka, 2019).

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Como resultado dos novos problemas e necessidades contínuas, é provável que o desempenho da função docente promova tanto o burnout como o envolvimento profissional. Em linha com abordagens mais recentes da psicologia positiva, o bem-estar dos professores é um campo de estudo crescente, com um aumento constante de publicações nos últimos anos (Dreer, 2023; McCallum et al., 2017). O bem-estar subjetivo, como descrito por Keyes (2002), pode ser visto como uma medida de saúde mental, composta por três dimensões: emocional, social e psicológica. Os benefícios do bem-estar parecem ir além das vantagens psicológicas para os indivíduos e a retenção de funcionários para as instituições, como evidenciado por estudos em organizações diversas. Estes são diversos não só porque o bem-estar favorece o desenvolvimento e a manutenção das relações entre professores e alunos, como também porque estimula o estabelecimento de um clima positivo de aprendizagem e o bem-estar docente, o que, nas palavras de Jennings e Greenberg (in Barroso et.al. 2019) joga um papel central quer no ambiente escolar, quer nas aprendizagens.

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O envolvimento profissional (work engagement) é um conceito relativamente novo quando aplicado a professores, no que concerne às expectativas de trabalho e ao compromisso com as tarefas. Alguns autores definem o envolvimento profissional como um estado entusiástico de envolvimento do indivíduo em atividades cruciais e pessoais, que é diametralmente oposto ao burnout. De acordo com este trabalho, o envolvimento profissional pode ser definido como um estado positivo motivacional, cognitivo, afetivo e emocional persistente que é conceptualizado em três aspetos ou dimensões: vigor, devoção e absorção (Schaufeli, 2017).

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O estudo de Matos et al. (2022) sobre o retrato do bem-estar psicológico das crianças e adolescentes em idade escolar e dos seus professores mostra que o bem-estar psicológico e a saúde mental dos professores estão relacionadas com o ambiente escolar. Por outro lado, o relatório da Eurydice (2021) apresenta os professores portugueses como aqueles que evidenciam muito stress no trabalho, recomendando que as políticas destinadas a melhorar o bem-estar dos professores devam procurar reforçar o trabalho em equipa e a colaboração dentro das escolas, desenvolver as competências sociais e interpessoais e o sentido de autonomia dos professores no seu trabalho (Eurydice, 2021, p.147).

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As alterações legislativas recentes evidenciaram, sobretudo através do estudo avaliativo desta política (Cosme, Ferreira, Lima & Barros, 2021), algumas necessidades, apresentadas nas seguintes recomendações:

  1. " Monitorizar, de forma tão sistemática quanto possível, alguns dos pontos críticos de um processo 
    com a natureza exigente como este, nomeadamente:

  • as estratégias de liderança e o seu impacto no empoderamento dos atores e das instituições;

  • as mudanças produzidas, bem como os sentidos, as potencialidades, os equívocos, as vulnerabilidades e o impacto das mesmas, no domínio das transformações a empreender ao nível da gramática de ensino e da organização do trabalho docente e discente;

  • as iniciativas que, tendo como referência o Decreto-Lei nº. 55/2018 e o Decreto-Lei nº. 54/2018, possam contribuir para o desenvolvimento de sinergias capazes de potenciar a afirmação de escolas mais inclusivas, onde se possa reforçar a importância dos processos internos de monitorização e avaliação sobre práticas pedagógicas, opções curriculares, dinâmicas e resultados académicos.” (Cosme, Ferreira, Lima & Barros, 2021, p. 106)

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